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Sustentabilidade logística, é possível?


Até recentemente transportar cargas ou pessoas de um lugar para o outro parecia uma lógica que fugia a discussão de sustentabilidade que a sociedade começava a demandar de outros negócios que eram percebidos como mais impactantes em termos sócio-ambientais principalmente.

Em se tomando exemplo das discussões em mudança do clima, o setor ficou de fora do primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto dadas as dificuldades de atribuir os impactos causados por esse setor a países, uma vez que essa é a lógica do Protocolo.

Em geral, as empresas também buscaram atuar fortemente em reduzir seus impactos nas atividades fim de seu negócio, e o setor de transportes inicialmente foi pouco demandado em ações e investimentos. Como em uma análise de “Pareto”, onde se busca identificar os problemas mais relevantes e atuar neles, a área de logística das empresas ficava muitas vezes para depois, pois seu impacto se diluía frente às outras atividades. O que acontece é que o cenário mudou, as empresas vêm resolvendo seus problemas e logística começa a entrar na alça de mira, bem como os consumidores passaram a perceber que esse setor representa fator de grandes impactos no seu dia a dia.

De novo analisando sob a ótica de mudança do clima, o mundo sabe que transportes contribuem significativamente para as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) e no Brasil, com a adoção pelo país de compromissos voluntários de redução de emissões, e ao entendermos que o setor de transportes, depois da mudança do uso da terra (desmatamento, entre outros), é o maior responsável pelas emissões brasileiras de GEE, começamos a entender que esse setor é fonte das potenciais soluções que necessitamos para honrar com os compromissos assumidos. Em resumo, o setor entrou de vez no foco das discussões.

Só para reforçar, cada vez mais empresas e consumidores se preocupam com sua pegada de carbono e cada vez vão precisar se preocupar mais. A justificativa é simples, para conseguirmos segurar a temperatura do planeta em uma elevação máxima de 2o C, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, em sua sigla em inglês), precisaríamos reduzir as emissões dos países desenvolvidos em 80% em relação ao ano base de 1990 e estabilizar as emissões de países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia nos níveis de 1990. Simplificando o discurso, isso quer dizer que a lógica aponta para muito mais pressão de redução de emissões e que o setor de transportes vai ser pressionado nesse sentido.

A competitividade de setores e empresas e a sustentação dessa é dada pela capacidade desses setores e empresas anteverem cenários e se anteciparem a eles. Nesse sentido, entender sustentabilidade como parte fundamental de seu negócio e se posicionar de forma a considerar os riscos e oportunidades pode ser a diferença entre existir e não existir no futuro. Pode ser a métrica fundamental de diferenciação de concorrentes e posicionamento consistente no mercado.

Apesar dessa importância, a estrada que leva a uma forma mais eficiente de transporte ainda é um terreno pouco desbravado. Prova disso é que apenas no ano passado o Comitê Executivo da Convenção Quadro de Mudança do Clima das Nações Unidas (UNFCCC) aprovou a primeira metodologia do mundo na área de logística para projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) em transportes de carga dentro das regras do Protocolo de Kyoto.

Essa metodologia foi desenvolvida a partir de uma iniciativa em conjunto com a ArcelorMittal e demonstra a preparação da empresa para antecipar cenários e internalizar benefícios. Logo, como mostraremos na Eco Business 2011, a aprovação dessa metodologia permite que projetos de mudança de sistema de modal gerem créditos de carbono por evitarem a emissão de CO2. Isso é possível pela troca de sistemas menos eficientes energeticamente por outros mais eficientes. No caso, a substituição de transporte rodoviário, muito usado atualmente, por modais marítimos e ferroviários. Para conseguir gerar projetos de créditos de carbono, a metodologia estabelece, também, que sejam feitos investimentos diretos na implementação e funcionamento do novo tipo de transporte escolhido. Ou seja, criam-se incentivos para ampliação e melhoria da infraestrutura do País.

Segundo a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), mais de 65% dos produtos brasileiros são transportados por rodovias, o que não e alinha com a visão econômica e sustentável que garante a competitividade que o país precisa nos cenários que se avizinham, uma vez que esse tipo de transporte tende a ser mais caro e menos eficiente energeticamente (portanto mais emissor e demandante de recursos naturais) que as modalidades mencionadas na metodologia. Isso cria uma demanda reprimida por oportunidades e soluções inovadoras que abrem ao Brasil um importante potencial a ser explorado no que diz respeito a novas modalidades logísticas.

Os gargalos estruturais existentes no país em relação ao setor de transporte de carga se devem a uma opção inicial fortemente baseada em construção de rodovias, em detrimento a investimentos em modais mais eficientes energeticamente. Nossas linhas férreas atualmente estão desarticuladas e nosso potencial aquaviário, quer seja pela utilização de nossos rios, que pela cabotagem em nossa costa, não tiveram os investimentos necessários no passado. Cabe ao país e empresários anteciparem às tendências em termos de riscos e oportunidades e transformarem isso em investimento.

A hora é oportuna para uma profunda análise do setor no Brasil, onde valores da nova economia sejam capturados pelas estratégias de negócios em discussão e gerem valor para o acionista, bem como, maior eficiência energética e por esse motivo menor impacto ambiental e valor para a sociedade. O exemplo acima demonstra que o discurso de sustentabilidade não é vazio, sendo determinante para quem quer ser competitivo hoje e no futuro.

 Por: Carlos Delpupo é gestor da divisão Sustentabilidade da consultoria Keyassociados

Fonte: Webtranspo